Varal de Olívia

Varal de Olívia

Por DARIO VASCONCELOS 16/03/2022 - 18:45 hs

Dizem que a mulher se torna mãe no exato momento em que descobre a prole no seu ventre. Há aqueles que acreditam que elas nasçam prontas para o exercício da maternidade e muitas encaram isso naturalmente (outras não). 

Mas, e o homem? Quando efetivamente ele se rende aos efeitos da gravidez, assume o protagonismo da semeadura e se torna pai? Em que momento a chegada de uma criança altera o curso da vida, interrompe o ciclo infinito de sono masculino e faz nascer um pai para a eternidade? 

Recebi a notícia de que seria pai antes do Natal. Era começo do mês de dezembro e o clima vermelho e verde já coloria a cidade de São Paulo. Eu custei a acreditar que a paternidade enfim havia chegado. Pra ser sincero, um peso nos ombros me paralisou em frente ao espelho do banheiro. Considerei um provável erro no teste de paternidade informando dois riscos azuis. 

Talvez por medo do futuro, não quis acreditar em algo que almejei durante tanto tempo. Quem sabe foi o medo do preço das fraldas ou das comemorações de mêsversário – que agora é moda. Embora Cláudia, a psicóloga que me acompanha há quatro anos, tenha me preparado para este momento, no fundo a ideia de ser pai era temerosa. 

No meu imaginário caótico assumir a paternidade aos 36 anos era oferecer minha vida a outro ser humano e isso me preocupava. Eu não queria que um estranho viesse morar para sempre na minha casa e encontrasse a toalha molhada na cama, os sapatos esquecidos no banheiro ou meus segredos dormindo no sofá da sala. Quem dirá que um bebê descobrisse quão frágil seu pai é! 

Ao longo das semanas eu compreendi a paternidade como minha nova descoberta e fiz disso meu refúgio. Meu esconderijo para as frustrações profissionais, meu porto seguro nos dias em que o sol insistia em se esconder, o antídoto contra toda a minha ansiedade. 

Descobri que seria pai de uma menina e meu coração quase explodiu ao imaginar nossas brincadeiras, nossos castelos de princesas e dragões que teríamos que matar. (Sim, minha filha vai matar dragões com espada feita de jornal com notícias do caderno de economia!)

A descoberta despertou em mim uma vontade de viver que nunca tive. Decidimos que seu nome seria Olívia. Sem nenhuma explicação prévia, apenas Olívia. A paternidade fez com que meu respeito pela minha esposa aumentasse infinitamente. Afinal, a gravidez exige uma força que, sinceramente, eu não sei se seria capaz de manter durante 42 semanas. 

A paternidade suscitou dilemas e conflitos que pensei ter resolvido em anos de terapia. Me vi obrigado a ser honesto com as minhas vulnerabilidades e aceitar meus defeitos de homem feito. Ser pai de menina me colocou diante de outro homem; papai. 

Ele também teve duas meninas. Raramente tinha tempo para brincar com elas, pois a maior parte do tempo estava trepado em uma escada pintando muros de mansões em Alphaville, no Brooklin ou no Cambuci.

Olívia nem nasceu ainda, mas já sonho com seu coração no meu peito descansando durante a madrugada. Imagino seu primeiro sorriso ao reconhecer meus olhos de pai protetor. Ela não sabe, mas já ensaiei gritar seu nome e sentir o vento trazer o cheiro das vogais voando pelo ar. 

A essa altura, o dinheiro não tem mais tanta importância e a romantização da paternidade eu excluí desse texto. Até porque, agora sou pai e se preciso for pinto o céu, pavimento os oceanos, reformo castelos da França e recrio os pronomes com as cores que Olívia quiser. Daqui pra frente serei o varal e ela a roupa: um sustenta e o outro voa!