Ansiedade é tudo, menos poesia

Ansiedade é tudo, menos poesia

Por DARIO VASCONCELOS 10/03/2022 - 13:41 hs

Ansiedade é uma gota de dúvida em um oceano de incertezas; uma hora o peito afoga. A ansiedade é uma obsessão urgente, midiática, que se aplica a especificidades extremamente importantes e egoístas como postar um storie, uma foto no feed ou acertar na legenda em troca de visualizações e engajamento.

Ela é um abraço silencioso, mas forte o suficiente pra deixar a mandíbula dolorida por horas, dias, meses e até anos. Já parou pra pensar que todo mundo é sintomático pra ansiedade, mas reage como quem faz uma selfie com os amigos na hora do almoço? 

É, você já deve saber disso e, provavelmente, não vai se permitir terminar a leitura desse texto. Afinal, você já sabe tudo sobre ansiedade e a correria do seu dia não permitirá que você descanse seus olhos nessas linhas, não é mesmo? Ou, assim como milhões de brasileiros, o tema ainda te causa arrepios e arranca da sua boca um suspiro de terror. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes da pandemia do novo coronavírus éramos 19 milhões de brasileiros diagnosticados com ansiedade. O dado triste revela que o Brasil é o país com o maior número ansiosos do mundo. É provável que este número tenha aumentado e muito, uma vez que o isolamento social trouxe à tona doenças emocionais que ainda são tabus na nossa sociedade. 

Da mesma forma, somos o terceiro país que mais acessa as redes sociais. Talvez por isso, tenhamos visto tantos ataques homofóbicos, de ódio, desinformação, racismo e xenofobia por aqui. Do ponto de vista cognitivo, há quem acredite que toda essa interação exagerada também gera preocupações desnecessária com o status quo. Contudo, o que muitos evitam falar está bem diante dos nossos olhos: o afastamento da realidade. 

Depois do avanço das redes sociais eu concluí que o ser humano se tornou um tanto quanto antissocial. Todo mundo deseja a melhor conexão, o melhor sinal de fibra ótica, o servidor mais rápido, respostas imediatas e, também, a maior distância possível do mundo real. Já percebeu como as pessoas se esquivam dos encontros interpessoais? 

Sinto saudades de velhos amigos que me ligavam pra saber se eu estava bem. Agora, minha rede de relacionamentos se limita a 24 horas de fotos e postagens. Cliques e convites para seguir sugestões que talvez eu conheça.  Sim, sou da época em que as pessoas ligavam umas para as outras e mensagem de texto era bônus do pacote da operadora pra vender o “melhor” serviço mais rápido.

Comecei esse texto com vontade de vomitar verdades insanas! De dizer que a ansiedade é foda, destrutiva e mais cedo ou mais tarde ela evolui, mas pelo que me consta todo mundo sabe disso e, ao mesmo tempo, ninguém se importa com isso. Será mesmo? Será que você, no alto da sua sabedoria instantânea e “googleana” entende que pessoas sofrem crises de ansiedade por não conseguirem atingir as expectativas do mundo? 

Tenho minhas dúvidas sobre a nossa capacidade de aceitar que somos imperfeitos. Sempre que me sinto pressionado pela ansiedade lembro de respirar, colocar uma playlist bem cafona com músicas românticas internacionais dos anos 1980 e 1990 e tento relaxar. Às vezes não dá certo, admito. Mas sigo tentando todos os dias, mesmo quando minha mandíbula grita de dor mais alto que as músicas de Elton John. 

Vez por outra sinto que o mundo todo está pesando dentro de mim e que se eu não resolver (seja lá o que for), eu terei fracassado. Ao mesmo tempo, sinto que a nossa sociedade exige que tratemos os traumas, façamos as pazes com o passado e alianças confiáveis com o nosso futuro. Isso não te dá uma sensação de que as pessoas estão sempre esperando de nós o melhor o tempo todo? Essa postura de ser sempre o vencedor e NUNCA demonstrar vulnerabilidades é tão angustiante, não acha?  

Embora seja um poeta, eu não queria fazer um poema sobre ansiedade. Mas, por outro lado, eu sinto como se a poesia fosse um pedaço meu que ofereço por aqui: meus braços, minhas pernas, meus olhos, meus pés, meu coração. Mesmo sabendo que muitos de vocês recusarão a leitura, eu me ofereço. Continuo escrevendo e continuarei me oferecendo até que meu oceano de incertezas uma hora se torne poeira, ou me afogue de vez na vastidão da ansiedade.